segunda-feira, 26 de julho de 2010

As máquinas e o amor aos livros


“A máquina não é senão uma nova ferramenta inventada pelo homem, que a maneja como quer.”
Rubens Borba de Moraes


Hoje, os incunábulos -primeiras obras impressas a partir da invenção da tipografia, por volta de 1445, até o ano de 1550- , obras de indiscutível raridade, são alvo de desejo de qualquer amante de livros. Porém, os primeiros impressos foram renegados por contemporâneos à sua origem.

Muitos bibliófilos que assistiram o nascimento da tipografia viram com desconfiança a impressão. Consideravam a máquina algo “vulgar, imperfeita e menos nobre que a mão do homem” (MORAES, 2005, p.197). Tal preconceito pode ser comparado à crítica mais recente em relação à produção em massa de livros. Hoje, não são mais os incunábulos alvo de descrédito, pelo contrário, o que existe são “bibliófilos que desprezam os livros modernos, impressos mecanicamente aos milhares. Para esses amadores, só tem valor artístico o livro impresso à mão e tirado a poucos exemplares” (Idem, ibidem, p.196).

Tais receios e desconfianças podem ser analisados à luz da célebre frase de Padre Claude Frollo no romance de Victor Hugo[1]: Ceci tuera cela. Isto matará aquilo, foi o que disse a personagem no século XV, após a invenção da tipografia, indicando, como analisa Humberto Eco, que “o livro vai matar a catedral, o alfabeto matar as imagens e incentivar a informação supérflua” (ECO, 2003, p.3). Talvez seja esse medo do novo, essa sensação de ameaça ao antigo e tradicional o que motivou e motiva tais preconceitos.

Porém, apesar dessas críticas que circulavam os incunábulos e que podem ser vistas como influência no caráter longo e complexo da transição do manuscrito ao impresso (afinal, até o século XVI não era incomum a feitura de manuscritos), há sinais que indicam que a bibliofilia não rejeitou de todo a essência artística da tipografia. A arte tipográfica foi, inclusive, vista como uma arte hermética, para iniciados, que deveriam prometer segredo sob juramento.

É digno de nota também o primeiro incunábulo sobre bibliofilia, Philobiblon,de Ricardo de Bury, impresso em 1473. Foi elaborado ainda em forma de pergaminho, manuscrito em 1345, mesmo ano da morte de seu autor, beneditino inglês apaixonado por livros que fez questão de deixar registrada a maneira como deveriam dispor de sua notável biblioteca após sua morte. Leitura fundamental aos bibliófilos, trata de cuidados essenciais a serem dispensados aos livros, incluindo como estimá-los e até mesmo como compartilhá-los com estudantes. Sua obra está hoje também disponível em versão bilíngüe (latim e português) Philobiblon ou o amigo do livro, pela Ateliê Editorial, com tradução e notas de Marcelo Cid.

Percebe-se que não foi pacífica a aceitação da tipografia pela bibliofilia, assim como ainda hoje não é unânime a idéia de que “industrializar não é enfeiar” (MORAES, 2005, p.196).

Por Clara Ramthum

1 comentário:

Clara Ramthum disse...

Errata: os incunábulos são os primeiros impressos produzidos até o ano de 1500, não 1550.