sábado, 18 de julho de 2009

O boato



O boato pode ter inúmeros efeitos.

Destruir uma pessoa, colocar uma pessoa num pedestal que não lhe pertence, provocar reacções colectivas, destruir uma empresa ou um produto, etc.
Todos conhecemos inúmeros boatos que percorreram a vida pública portuguesa.

O aspecto mais perigoso do boato é que muito dificilmente se desmente, tendo, por vezes, a tentativa de o negar, um efeito contrário ao pretendido.

Quase sempre recorrendo ao “não há fumo sem fogo”, esquecendo-se as pessoas que para um provérbio há sempre outro que diz exactamente o contrário, pois “nem tudo o que parece é”. Chama-se a isto sabedoria popular.

Sentenciar num sentido e arranjar imediatamente forma de sentenciar de forma inversa se tal for o mais conveniente.
O boato que neste momento corre desonrar quem se atreve a contestar formas de poder.
Quando confronto as pessoas com a falsidade desta informação, afirmam que ouviram

–A Quem? – Pergunto eu
Apontam para o dizem, ou para obscuros não me lembro , mas ninguém me diz onde está nem ninguém diz que leu.
Finalmente acabam por referir
– Dizem que é assim!
– Mas diz quem? – Pergunto eu.
Há muita gente a dizer, mas essas pessoas que dizem, interrogadas, acabam por se refugiar todas na mesma argumentação: dizem….
Às vezes surge uma novidade.
–As pessoas falam.
– Mas quem fala? – Questiono.
Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém leu.
Concluindo. Estamos perante um boato.

Não há qualquer obrigatoriedade de questionar ou indagar se é verdade, e até agradecia que alguém me demonstrasse o contrário.
Quem pôs o boato a circular?

Não faço ideia quem o fez ( risos ), nem com que objectivos ( + risos ).
O que me preocupa é o facto de as pessoas a quem o boato se dirige aceitarem esta informação como válida, sem qualquer sentido crítico, sem procurarem saber da sua veracidade.
Contentam-se com “ é verdade porque dizem”.
Seria de esperar outra atitude?.

Pensar deve ser uma atitude assumida e não ficar numa falsa neutralidade, exposto ao que não existe.
"Uma mentira levada à exaustão, para o ser comum dos mortais, transforma-se, facilmente, numa verdade."
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sexta-feira, 10 de julho de 2009

"Pintura Criativa"



Appio Cláudio, natural de Ovar, radicado na Chamusca desde 1974, Participou em numerosas exposições individuais e colectivas na Chamusca, Torres Novas, Entroncamento, Vila Nova da Barquinha, Santarém, Lisboa e Almada.Tem obras em colecções privadas e públicas em Portugal e Espanha.Embora utilize algum figurativismo, desenvolve uma pintura de fusão com fortes mensagens de cunho humanista.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Transporte no tempo

Requiem por um cão
Cão que matinalmente farejavas a calçada
as ervas os calhaus os seixos os paralelipípedos
os restos de comida os restos de manhã
a chuva antes caída e convertida numa como que auréola da terra
cão que isso farejas cão que nada disso já farejas
Foi um segundo súbito e ficaste ensanduichado
esborrachado comprimido e reduzido
debaixo do rodado imperturbável do pesado camião
Que tinhas que não tens diz-mo ou ladra-mo
ou utiliza então qualquer moderno meio de comunicação
diz-me lá cão que faísca fugiu do teu olhar
que falta nesse corpo afinal o mesmo corpo
só que embalado ou liofilizado?
Eras vivo e morreste nada mais teus donos
se é que os tinhas sempre que de ti falavam
falavam no presente falam no passado agora
Mudou alguma coisa de um momento para o outro
coisa sem importância de maior para quem passa
indiferente até ao halo da manhã de pensamento posto
em coisas práticas em coisas próximas
Cão que morreste tão caninamente
cão que morreste e me fazes pensar parar até
que o polícia me diz que siga em frente
Que se passou então? Um simples cão que era e já não é...


RUY BELO

sábado, 4 de julho de 2009

Mudam-se os tempos

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Mudam-se os tempos,


mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.



Luís de Camões

sexta-feira, 3 de julho de 2009

As mãos

Com mãos se faz a paz
se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz
e se desfaz.

Com mãos se faz o poema
– e são de terra.
Com mãos se faz a guerra
– e são a paz.
Com mãos se rasga o mar.
Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos.
E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O sonho

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz
-Ter por vida a sepultura.

Fernando Pessoa